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TEXTOS E RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES

A verdade da consciência na analítica existencial do ser-aí

Sandro Marcio Moura de Sena (UFPE)

Resumo

A apresentação reconstrói, em seus traços mais gerais, a busca pelo lugar da consciência no tratado Ser e tempo. Para isso, num primeiro momento, mostra que a arquitetura conceitual da existência, tal como estabelecida por Heidegger, apresenta uma estranha lacuna, na qual os fenômenos de consciência podem ser alocados sem nenhuma alteração significativa no todo estrutural do ser-aí. Uma vez estabelecida essa possibilidade de alocação, num segundo momento, aloca-se lá, de fato, a consciência, elaborando o caráter compreensivo-afetivo-discursivo do fenômeno, isto é, como um modo da abertura (Erschlossenheit) do ser-aí, e o fará explorando a relação entre intencionalidade e verdade ontológico-existencial, relação apenas esboçada em preleções pertencentes ao período ontológico-fundamental do pensamento heideggeriano.

A essência do fundamento e a questão da verdade em Heidegger

Betto Leite da Silva

Resumo

Trata-se de abordar alguns aspectos fenomenológicos da questão do fundamento como questão da verdade com relação à constituição de mundo a partir de uma análise da obra “A Essência do Fundamento”, de Heidegger. Nesta obra, tomando pro base o conceito de mundo de Kant, enquanto um resultado produzido pelo pensamento puro, Heidegger apresentará uma concepção fenomenológica completamente nova do mundo, consoante ao problema da verdade e seu fundamento, tendo por base uma relação direta com o homem enquanto Dasein.

 

As modalidades do ser-verdadeiro (Wahrsein) e suas possibilidades excelentes no Natorp-Bericht (1922) de Martin Heidegger1

Jorge Augusto da Silva Santos - UFES/CNPq/FAPES

 

Resumo

No Relatório-Natorp Heidegger realizar uma apropriação fenomenológica do nous aristotélico para conectar estruturalmente as cinco modalidades do ser-verdadeiro ou do desocultar (alētheúein/Erschliessen) através das quais a alma “‘na maioria dos casos’ dá originariamente custódia o ente em cada caso dado preliminarmente enquanto não-oculto” (GA 62, 377). Tais modos modo do desocultar são declinados por Heidegger em sua leitura do Livro VI da Ética a Nicômaco: téchnē, epistēmē, phrónēsis, sophia e nous. Desse modo, Heidegger compreenderá a expressão aristotélica ón hōs alēthés enquanto “o ente no ‘como’ do seu não- estar-velado” (GA 62, 379-380), isto é, o ente mesmo como tal é “verdadeiro”, “des-velado”, “não-escondido”. Isso só será possível à luz de uma compreensão originária do nous aristotélico (particularmente no Livro IX da Metafísica e no Livro VI da Ética a Nicômaco) enquanto apreender puro: [vernehmen] que precede o lógos, quando este último é compreendido aristotelicamente como faculdade linguística no sentido estrito de afirmação e negação (âmbito do discurso apofântico enquanto constitui o lugar do verdadeiro e do falso, ou seja, esfera do juízo predicativo). Sob esse aspecto, o “elemento genuinamente objetual do nous é aquele que esse apreende sem discurso (áneu lógou), sem a modalidade do chamar em causa algo em relação às suas determinidades-enquanto-que-coisa” (GA 62, 381). Portanto, o objeto da comunicação consistirá na interpretação dos sentidos de alēthés-alētheia à luz da compreensão fenomenológica do nous aristotélico para exibir a conexão estrutural dos fenômenos de iluminação que estão na base das virtudes dianoéticas de Aristóteles.

Verdade e Liberdade

 

Resumo

Para o entendimento corrente a verdade é algo que diz respeito à linguagem, estando a essência da verdade relacionada com a concordância entre o juízo e a coisa. A questão decisiva para Heidegger diz respeito ao que estaria sendo pensado nessa compreensão com o termo “concordância”. Como seria possível a concordância e o que ela significa? Para que possa haver a relação entre o que dizemos e a coisa a qual o nosso dizer se refere, seja de acordo ou de desacordo, é preciso que a possibilidade de uma concordância já tenha sempre se dado. Isso que sempre já se deu e que é a relação originária, Heidegger entende como sendo a própria essência da verdade (alétheia), que vai nos permitir “falar sobre” a verdade como uma propriedade da linguagem e de sua concordância com o mundo, com o real. A liberdade será aqui pensada como a essência da verdade, a liberdade de deixar-ser, de estar aberto para o encontro com as coisas em seu próprio abrir-se, doar-se. Mas longe de ser pensada como algo pertencente ao arbítrio humano, à sua capacidade de livre escolha, a liberdade é o fenômeno de virada para o aberto, quando o próprio aberto se vira para nós e nos mira, contemplando. Essa mirada, no entanto, só pode ocorrer porque já nos encontrarmos de saída e na maioria das vezes na dissimulação e na errância, na não-verdade, no velamento do que se desvela. No encobrimento do que vela e na errância junto aos entes, visando procurar impor o domínio propositado da subjetividade na antecipação calculadora do mundo, vai se insinuando aquilo de que procuramos escapar para nos refugiarmos junto ao controle e à segurança dos entes, a liberdade como chamado e apelo para ir ao encontro das coisas, que nos vincula e ata ao seu livre aparecer e mostrar-se, sempre imprevisível e incontrolável.

 

A questão da ἀλήθεια e o seu desdobramento metafísico na história da Filosofia

Manuela Saadeh, pós-doutoranda PPGFIL-UFRRJ

Resumo

Ao que tudo indica, a questão da verdade em Heidegger corresponde à questão própria do Ser ele mesmo, uma vez que compete à questão de saber a verdade sobre o que é o ente. Esta questão é a pergunta eminente da filosofia heideggeriana, pois desde os primórdios do pensamento no Ocidente, o problema do que seja o ente em seu Ser (isto que se nomeou Ontologia) persegue os filósofos até o extremo da exaustão – o que poderia ser isto que unifica a totalidade? O que será isto que unifica a multiplicidade?

O pensamento grego comportava a palavra ἀλήθεια para o sentido de verdade. O que propriamente Heidegger entende por por aletheia? Para o filósofo contemporâneo, a palavra para a verdade, para o Ser, ainda mantinha entre suas sílabas algo totalmente estranho ao sentido de verdade que nós, os contemporâneos temos – ἀ-λήθε-ια [a-lethe-ia], na qual o negativo “a” precisamente nega o “lethes”, em grego, “esquecimento”, “obscurecimento”: “ocultação”, transformando isto que se mostra oculto, em desoculto, claro.

Todavia, apesar de a palavra grega para a verdade ainda manter nela o sentido de “ocultação”, ela aponta para a necessidade da linguagem de se empenhar em desencobrir isto que, em primeira instância, a priori, se mantém oculto a ela própria. E este é, segundo Heidegger, o caminho do pensamento filosófico enquanto Metafísica de Platão a Nietzsche. A verdade já em pensadores como Platão, Aristóteles, buscava o claro, isto que é universalmente, eternamente, ou seja, atemporalmente e se possível, absolutamente claro: os pressupostos inquestionados para o sentido do Ser e da verdade no ocidente enquanto Metafísica. Nesta forma de pensar a verdade em que se desdobram os pressupostos invisíveis citados, está um motivo e um propósito implícito: o de disponibilização da totalidade do ente manifesta em sua presença constante [είδος], para sua manipulação e dominação através do conhecimento (epistêmico), isto é, do saber disso que se mantém constantemente presente frente ao que perece, disto que é eterno frente ao temporal: a ideia. A partir desta premissa da presença constante para o sentido do Ser, disto o que é o ente em sua verdade, Heidegger pôde elucidar-nos que mesmo lá onde o “lethes” ou o “oculto” se manteve na palavra para verdade aletheia, aquele não foi pensado menos ainda problematizado: a questão é tão somente a de aclará-lo desde o sentido de presença constante (forma constante enquanto disponibilidade) para o Ser do ente na totalidade. E esta é segundo Heidegger, a forma implícita como a qual toda a filosofia ocidental se desdobra em seu cerne, isto é, por respeito à questão do Ser, sem jamais questionar tais pressupostos em seu fundamento.

Os pressupostos da universalidade, atemporalidade, eternidade, subsistência para o sentido do Ser e da verdade, que configuram a essência da Metafísica, permeiam segundo Heidegger todos as grandes Ontologias, pois estas prescrutam a verdade ou o Ser implicitamente como algo subsistente, que deve ser universal, atemporal. E deu-se assim, com o Ser metafísico na ideia platônica, na ousia aristotélica, na essentia-substantia medieval, no sujeito moderno. Em todas estas concepções epocais acerca do sentido da verdade, permaneceu o mesmo fundamento metafísico. Em nenhumas destas concepções metafísicas para o Ser ou para a verdade, se questionou por que esta tem que ser universal, atemporal; apenas o pensamento ontológico se embrenhou cada vez mais em si mesmo e em suas aporias.

A questão da verdade ou a questão do Ser jamais se perguntou o que é isto de “oculto” que se mantinha na palavra grega para a verdade: o próprio Ser enquanto Ser, não mais o Ser do ente (metafísica), uma vez que esta última questão carrega implicitamente em si os pressupostos implícitos citados. Pois então o que tem a palavra grega ἀλήθεια para a verdade, a ver com o Ser? É a partir desde questionamento que Heidegger pôde proceder a sua “destruição fenomenológica” da Metafísica, uma vez que em seu pensamento o Ser ou a verdade, não mais poderiam conter neles os pressupostos implícitos metafísicos da universalidade e da atemporalidade – ao contrário, a verdade, o Ser agora se determinam pela circunscrição de Mundo e pelo tempo, pela temporalidade.

É somente com a História da Ontologia que o pensamento heideggeriano pôde chegar a pensar como a verdade enquanto metafísica poderia alcançar-nos hoje, quando o Ser se manifesta enquanto técnica moderna. Ou seja, o Ser metafísico universal e atemporal vem, ao longo dos séculos, determinando a verdade acerca do ente em suas transformações mais epocais: o mesmo pressuposto de atemporalidade e universalidade para a verdade deixou a ideia platônica entrou no período medieval transformando-se no Deus judaico-cristão (no qual ganhou mais uma dimensão fenomenológica: a incondicionalidade) e posteriormente no período moderno, o mesmo pressuposto saiu da physis (gregos) e do Deus (medievo), e passou a estar na consciência: o cogito ergo sum. Este, deste a verdade metafísica historicamente, se torna a única verdade, uma vez que agora só este ente põe o Ser, põe a verdade: representa-a. Desde esta concepção do homem enquanto o próprio detentor da possibilidade de todo o Ser, porque tudo estaria na sua representação, surge a possibilidade de uma techné toda nova: o fazer humano no qual a totalidade do ente é seu objeto de consumo, incondicionalmente.

O Ser ou a verdade (metafísica) enviada historicamente agora se tornando o Sujeito moderno de conhecimento estritamente matemático-técnico-científico se afasta completamente disto que Heidegger tenta lembrar com a palavra ἀλήθεια: o Ser enquanto o não claro, enquanto o não atemporal, o não universal – a dimensão própria do Ser enquanto Ser, enquanto nada de ente (forma). Pois se o Dasein em Heidegger não é mais o sujeito universal de conhecimento, se e é apenas ser-no-mundo, então isto quer dizer que este é um ente histórico circunscrito (finito) a um Mundo de sentido, de significação. Isto quer dizer que a verdade jamais pode ser algo de universal, atemporal e absoluto, não pode mais ser metafísica (daí a destruição) uma vez que o Ser e a verdade (na concepção heideggeriana “inverdade”) são temporais consequentemente finitos a Mundo de sentido (não a sujeitos). Isto quer dizer que a essência da verdade é a liberdade, ou seja: é o escuro que possibilita todo claro, toda a verdade de um Mundo de sentido finito enquanto tal e tal. Este jogo de claro-escuro, ocultação-desocultação (sentido que a palavra grega para verdade ἀλήθεια ainda guarda em si), Heidegger o nomeia de Acontecimento [das Ereignis], enquanto o entretecimento próprio de Ser e tempo.

 

Heidegger sobre ιδέα, παιδεία e ἀλήθεια em Platão

Ray Renan Silva Santos1

Resumo

A presente palestra tem por objetivo refletir sobre as noções platônicas de ιδέα, παιδεία e ἀλήθεια. Para tanto, partimos da interpretação de Heidegger em seu texto intitulado A teoria platônica da verdade. A análise apropriada das noções em questão requer uma consulta a Platão diretamente na República, obra na qual as referidas noções aparecem de modo decisivo. O modo como ιδέα, παιδεία e ἀλήθεια se articulam deve ser pensado pelo seguinte prisma: a ιδέα é a essência de toda e qualquer visão, ou seja, ela é o puro brilhar, no sentido de ser aquilo que concede visibilidade a toda visão. Sem as ideias, nada há que possa ser visto no mundo. “Visão”, contudo, não se refere apenas àquilo que desponta por meio do órgão sensorial, senão a tudo o que aparece e se constitui no mundo para o homem. O mundo dos homens é, assim, o mundo que só se constitui a partir da luminosidade das ideias. O ato de “ver” isso - no sentido de ver com os olhos da alma -, a saber, que as ideias são a essência, é o modo como o homem sai da caverna. Apenas atentando para a sua essência o homem pode sair da caverna, e é esse ato de sair da caverna que configura a παιδεία, que só pode se consumar à medida que ocorre uma superação da ἀπαιδευσία. Sob a vigência da ἀπαιδευσία, o homem só consegue ver as sombras; quando, porém, contempla as ideias, dá-se um movimento de transição da ἀπαιδευσία para a παιδεία, o que Heidegger concebe como a genuína “formação” (Bildung). O caráter formador da παιδεία consiste em superar a ἀπαιδευσία por meio do “desvelamento” (Unverborgenheit) da essência das coisas, e é esse desvelamento que Heidegger compreende por ἀλήθεια. Se, por um lado, a παιδεία consiste em uma transformação do homem por meio da qual ele passa a ver o mundo de outra forma, por outro, é somente por meio de uma dinâmica de desvelamento da ἀλήθεια que essa transformação pode acontecer. O que lhe permite, contudo, essa mudança de ângulo, perspectiva e ótica é o genuíno ver (ἰδεῖν), que é essencialmente o ver a ιδέα. Os desdobramentos desta reflexão indicam, pois, uma unidade inseparável e originária de ιδέα, παιδεία e ἀλήθεια.

Quem se manteria encoberto? A interpretação de Heidegger de um fragmento de Heráclito de Éfeso

Francisco Moraes (UFRRJ)

Resumo

Nesta comunicação, pretendo avaliar a justeza da interpretação empreendida por Heidegger do fragmento 16 DK de Heráclito de Éfeso. Abdicando de toda referência positiva ao contexto no qual o fragmento foi citado, Heidegger pretende ler o texto de Heráclito, que tem a forma de uma pergunta, partindo tão somente da análise das palavras empregadas, tomando-as como indicações valiosas para uma possível experiência do que chama de “âmbito de todos os âmbitos” (der Bereich aller Bereiche). A palavra grega ἀλήθεια, com a qual Heidegger intitula seu ensaio interpretativo, só alcançaria significação plena quando se recuperasse o sentido grego da experiência fundamental de velamento, que emerge, de forma eloquente, da força significativa do verbo λανθάνω. Dessa forma, compreendida à maneira grega, a palavra ἀλήθεια não corresponderia a uma clareza sem sombras, a um vencer e deixar para trás, triunfalmente, toda e qualquer obscuridade, mas antes a um deixar vigorar o velamento a partir do qual, somente, seria possível o desvelamento. Heidegger correlaciona, em sua interpretação, o fragmento 16 DK com o fragmento 123 DK, que trata da φύσις. Outros fragmentos também são mobilizados, bem como textos diversos de Homero, Píndaro e Epicuro, sempre com o intuito de acenar para o inexpresso (não dito) no dito de Heráclito. No entanto, em outro fragmento de Heráclito, precisamente no fragmento 1 DK, o verbo λανθάνω indica uma postura censurável, equivalente à ignorância, atribuída por Heráclito aos “outros homens”, para os quais, justamente, fica encoberto tanto o que fazem acordados quanto se lhes volta a encobrir o que fazem durante o sono. Mantendo este significado do verbo presente em Heráclito, a leitura mais natural do fragmento 16 DK apontaria para a presunção humana censurável e vã de escapar da realidade, a qual, de uma maneira ou de outra, terminaria por impor-se. O encobrir-se ou manter-se encoberto não expressaria, assim, uma dinâmica do real ele mesmo, mas antes uma espécie de alienação comum aos homens, em sua tentativa vã de evadir-se da “dura realidade”. Teria Heidegger se equivocado ao trocar o dito pelo não dito?

A Crítica de Tugendhat ao conceito de verdade de Heidegger e a existência mitológica

Paulo Mendes Taddei (UFRJ)

 

Resumo

Há fundamentalmente dois modos de se compreender a crítica de Tugendhat ao conceito de verdade de Heidegger: por um lado, parte significativa da literatura se debruçou sobre a questão da falsidade; por outro lado, parte minoritária da literatura mostrou que a questão fundamental é aquela que diz respeito à transição de um conceito adequacionista de verdade para um conceito de verdade como desvelamento, descoberta. Em outros momentos, desenvolvi a tese de que a última é a interpretação é completa, uma vez que (i) contempla e contextualiza a questão da falsidade; (ii) repete críticas clássicas de Russell a coerentistas britânicos e, sobretudo, (iii) porque está de acordo com passagens importantes do escrito O Fim da Filosofia e a Tarefa do Pensamento. Conquanto esse seja um resultado sólido, é também um resultado deflacionário para a leitura de Tugendhat: o que temos afinal é uma questão metodológica sobre como nos movemos, de modo válido, de um a outro significado de um termo. Quero propor aqui um modo de escapar a esse impasse através de um outro ponto de partida: a questão da existência mitológica, tal como aparece na recensão de Heidegger sobre Cassirer e, sobretudo, na obra Fenomenologia da Percepção de Merleau-Ponty. Tanto numa como em outra obra, vemos a mesma tese fundamental: a de que a humanidade dita ‘primitiva’ é pré-objetiva, isto é, de que para ela ainda não se faz a diferença entre o percebido e o sonhado, o verdadeiro e o falso, o verificado e o presumido. Em Merleau-Ponty, essa característica diz respeito igualmente a duas outras possibilidades humanas fundamentais: a criança e o louco. Longe de ser mera tese filosófica, trata-se de um pressuposto articulado e debatido não só na etnografia de culturas “primitivas”, na psicologia do desenvolvimento de Piaget e na psicopatologia. Minha proposta é discutir essa tese, sobretudo na sua versão merleau-pontiana, de acordo com a qual essas possibilidades humanas falam de uma camada fundante de sentido que torna pela primeira possível a objetividade, e, com isso, a distinção entre verdadeiro e falso. Assim, espera-se poder discutir, sob outro ângulo, a relação entre modos fundantes de aparecimento do real e a distinção gnosiológica entre o verdadeiro e falso.

Literatura e moral: uma análise filosófica

João Paulo Fdomingos de Souza  e Cristiano Bonneau

 

Resumo

Adam Smith, em sua obra A Teoria dos Sentimentos Morais, analisa nas primeiras páginas a importância da faculdade da imaginação na moralidade, mais precisamente, no fenômeno da simpatia, piedade, paixões e etc. Para Albert Camis, a imagem fornece ocasião para a reflexão e não se separa desta, uma vez que, o pensamento por imagens configura-se com um pensamento mais integral, operando no entrecruzamento da experiência sensível com o fenômeno filosófico. Martha Nussbaum, filósofa americana, elegeu como uma das qualidades do cidadão, a imaginação narrativa que, significa a capacidade de pensar como deve ser se encontrar no lugar de uma pessoa diferente de nós, de ser um intérprete inteligente da história dessa pessoa e de compreender as emoções, os anseios e os desejos que alguém naquela situação pode ter. Todavia, de que modo essa capacidade imaginativa pode ser aprimorada? Nussbaum (1991) em seu artigo The Literary Imagination in Public Life analisa o romance Tempos Difíceis de Charles Dickens, escritor inglês. Para a autora, "a participação do leitor fica explícita em muitos pontos do livro da narrativa e os leitores percebem que a história é, de certa forma, a sua própria história, mostrando possibilidades para a vida e escolha humanas que, na verdade, podem ser aproveitadas por eles" (Nussbaum, 1991, tradução nossa). Essa questão das possibilidades foi primeiro tratada em Poética de Aristóteles (2008), quando este afirma que, a literatura é vista por uma questão de possibilidades, quando retrata o que poderia acontecer. Para Nussbaum (2012) “esse conhecimento das possibilidades é um recurso especialmente valioso na vida política”, uma vez que, a literatura vista como produção cultural humana, fornece a possibilidade de o indivíduo desenvolver sua própria humanização, na medida que “confirma no homem sua humanidade. Assim, podemos considerar, nessa perspectiva, que conhecimento imaginativo é um convite ao avanço humano. Portanto, uma democracia que educa a imaginação de seus cidadãos resultará num clima político e moral valioso.

 

Husserl y Heidegger coincidencias en torno al aparecer

Daniel Michelow Universidad del Maule- Chile

 

Resumo

La presente exposición pretende recorrer un camino diferente al que la mayoría de los especialistas en el pensamiento heideggeriano, específicamente respecto de la cuestión de la verdad, transita usualmente. En dicha recepción se suele intensificar las diferencias entre la comprensión de la verdad del pensador de Meßkirch y la tradición que le precede, tanto mediata como inmediata. Declarándose finalmente como ámbitos de la verdad que no pueden acreditar otro lazo que no sea el de lo genuino y no genuino. Esto, en cierto modo, tal como el propio Heidegger lo deja entrever a través de su extensa crítica a la verdad como correspondencia y en general a la metafísica.

No se pretende aseverar acá, bajo ninguna circunstancia, que el proyecto heideggeriano no logre abrir sendas novedosas o posibilidades de meditación que hasta ese momento estaban ocultas para el pensar onto-teo-lógico, sino más bien hacer la sencilla observación que su pensar, a pesar de la enorme fuerza renovadora que contiene, guarda ligaduras ocultas pero esenciales con el pensamiento filosófico anterior a él, en este caso con la fenomenología de Husserl, y que por tanto la consideración de la Entdecktheit y de la Evidenz como mutuamente excluyentes, al menos en Ser y tiempo, no parece ser sostenible.

 

ALETHEIA: por que liberdade e verdade?

Felipe Mandato (Mestrando, UFRRJ)

Resumo

A tese de Heidegger, defendida desde Ser e tempo, é que há um âmbito originário a partir do qual a verdade como enunciado pode surgir. O desdobramento dessa leitura heideggeriana é que a verdade enquanto adequação (ou a conformidade da enunciação) seria uma derivação da experiência fundamental do desvelamento (ἀλήϑεια), uma experiência que esteve presente desde os pensadores originários, mas que não foi suficientemente pensada pela tradição filosófica. Dito isso, tomando como ponto de partida a preleção Da Essência da Verdade, o objetivo da presente comunicação é buscar compreender a conexão entre verdade e liberdade, de modo a ver em que medida o deixar-ser (Sein lassen) em relação aos entes aparece enquanto um elemento fundamental na experiência do desvelamento. O que está implicado nessa postura comportamental? Por que a liberdade surge como aquilo que conserva o ente tal como ele é? Por fim, por que é somente a partir da liberdade que a conformidade enunciativa pode ter lugar? O discurso (λόγος) e o desvelamento (ἀλήθεια) nos anos 1920: a função deixar-ver (sehenlassen) e a possibilidade de evidência

 

O discurso (λόγος) e o desvelamento (ἀλήθεια) nos anos 1920: a função deixar-ver (sehenlassen) e a possibilidade de evidência

Christiane Costa de Matos Fernandes Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ (PDPG_CAPES/BRASIL)

Resumo

No §26 da preleção “Platão: o sofista”, intitulado “A amplitude e limite do λόγος”, Heidegger escreve sobre a relação entre o lógos e o noûs, bem como sobre a relação entre lógos e alétheia. Na exposição da primeira parte, Heidegger apresenta a diferença entre o noûs e dianoein, isto é, a diferença entre a pura compreensão e o compreender discursivo. O noûs enquanto comportamento compreensivo, ou seja, como noein (pensar/compreender), não é realizado comumente e de início como contemplação pura, mas discursivamente. O motivo é o fato de ser realizado por um ente que possui o lógos. É indicado, portanto, a fundamental característica do lógos como pertencente ao ser do ente humano. Heidegger diz: “precisamos insistir no fato de que o λόγος (a linguagem/o discurso) pertence ao ser do homem e de que é com ele que se realiza de início e na maioria das vezes o visar: ele é νοεῖν μετα λόγου (pensar por meio da linguagem)” (GA19, p. 180). Heidegger recupera sua interpretação do livro VI da Ética à Nicômaco e afirma que o lógos, como pertencente ao ser do ente humano, justifica que Aristóteles tenha caracterizado a epistêmê, a téchnê, a phrónesis e a sophía como modos do desvelamento (Alétheia). Na exposição da segunda parte do §26, intitulado λόγος (discurso) e ἀλήθεια (desvelamento), o filósofo aborda os seguinte pontos: 1) o lógos significativo e o lógos apofântico; 2) a rejeição do lógos (discurso) como sítio propriamente dito da verdade; 3) a crítica da doutrina tradicional do juízo; 4) o verdadeiro modo de vir ao encontro do ser. Através da indicação do que é expresso por Aristóteles no capítulo IV do De interpretatione, Heidegger é explícito em dizer que não pertence ao lógos ser verdadeiro, isto é, descerrar um ente, pois esse caráter é próprio ao lógos mostrador: o lógos apofântico. E é assim porque nem todo lógos é apofântico, mas todo lógos é significativo. Isso quer dizer que todo discurso possui significado (não há discurso privado de sentido), porém só podem ser verdadeiras ou falsas as expressões apofânticas, pois o lógos apofântico é aquele que, ao significar, deixa que algo se mostre e, ao se mostrar, o que foi significado responde por si mesmo sobre sua verdade ou falsidade. Em face dessas considerações, a apresentação visa analisar essa dupla relação do lógos (com o compreender humano e com a verdade) a fim de argumentar que, embora o lógos não seja o sítio propriamente dito da verdade, a função deixar-ver (sehenlassen) própria ao lógos apofântico figura como a possibilidade de evidência em sentido fenomenológico. Argumento que ilumina momentos decisivos do §7 de Ser e tempo.

 

Desvelamento por alétheia: o problema é de tradução?”

Márcio Tavares d´Amaral Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Resumo

A exposição pretenderá pensar o termo aletheia a partir da interpretação, de inspiração heideggeriana, de alguns fragmentos de Heráclito, com o objetivo de tentar compreender um momento da história da verdade cujo “sujeito” foi o Real ele mesmo. Só o apagamento historial desse momento originário pôde suscitar a necessidade de uma compreensão autonoma da verdade. Esse apagamento teve seu começo em Aristoteles e sua culminância em Tomás de Aquino. Foi nesse contexto que traduzir a palavra se tornou uma questão

relevante: porque a coisa “verdade” não estava mais presente.

O objetivo dessa apresentação é iluminar o momento atual, da pós-verdade. A cosmologia, ponta mais fina da ciência contemporânea, será chamada a se dobrar sobre o pensamento originário, como se fosse possível, vinte e seis séculos depois, trazê-lo à cena “do que salva”.

 

Ver abismos: Nietzsche e a verdade

Iago Vieira Ribeiro da Silva UFRRJ

 

Resumo

No primeiro livro da sua Metafísica, Aristóteles pensou as bases de todo conhecimento humano a partir de uma tendência geral do homem para o conhecer, cujo índice maior seria sua relação amorosa para com o ver. Nesse mesmo livro, é o espanto que é apontado como disparador do início, não do conhecimento em geral, mas do pensamento propriamente filosófico. Não é nessas articulações, porém, que encontraremos a teoria da verdade do filósofo grego propriamente dita, a qual tenderá, em sua elaboração, a uma ideia de concordância entre um certo dizer e uma realidade determinada. Mas é aí que poderemos flagrar os indícios daquela dimensão que Heidegger, no seu retorno aos gregos e no modo como coloca a chamada questão do ser, destacará como experiência originária da verdade: ἀλήθεια, ou desvelamento. Trazendo o filósofo alemão, poderemos melhor abordar a equação entre ver, espanto e pensamento em sua relação com a verdade. Mas nos propomos a dar ainda mais um passo, agora com Nietzsche, que, no seu Zaratustra, afirma que, para o homem, todo ver é ver abismos. Afinal, é na mesma obra que o autor pensará o homem como corda esticada sobre o abismo. É notório que Nietzsche usou de diversos caminhos ao longo de sua obra para enfraquecer, inverter ou suprimir a noção de verdade. Ainda assim, seria possível extrair uma concepção de verdade do filósofo que, diferentemente de Heidegger, insistentemente tentou se ver livre dos conceitos da tradição? E o que seria verdade, neste caso? Elaborando esse diálogo a três, este trabalho se propõe a investigar a relação entre abismo e verdade.

Sobre a importância da conferência Da essência da verdade no âmbito do problema da viragem

Deborah Moreira Guimarães UFRJ

 

Resumo

Um dos passos decisivos no que concerne à problemática da verdade, o opúsculo Da essência da verdade (Vom Wesen der Wahrheit) é compreendido, neste estudo, como um alicerce fundamental para a compreensão da assim chamada viragem no pensamento de Martin Heidegger. Tal obra possui quatro versões: três foram palestras realizadas em 1930, nas cidades de Karlsruhe, Bremen, Marburg e Freiburg; e a última versão consiste na revisão realizada em Pfingsten, em 1940. Heidegger pretende, nessa conferência, questionar a essência da verdade para além da concepção formal-indicativa do conceito. Como o autor questiona: “porém, com a questão acerca da essência não nos desgarramos no vazio da generalidade, que corta o fôlego a todo e qualquer pensamento? O caráter excêntrico de tal questionar não traz à luz a ausência de solo de toda filosofia?” (WM, p. 177). Dialogando diretamente com a tradição metafísica enquanto história de velamento do problema do sentido, a pergunta pela essência da verdade tem seus pressupostos mais fundamentais no questionamento do pensamento histórico do ser. Isso significa que é da pergunta pela verdade que constitui o conceito de essência que se origina a meditação acerca do caráter ôntico dos modos pelos quais a tradição metafísica pensou a verdade. Em outras palavras, com a expressão “verdade da essência”, presente na conferência citada, compreende-se essência como o ser que se realiza como acontecimento mediante a diferença, mas que, por diversas vezes, foi pensado a partir de propriedades ônticas. Sem essa elucidação preliminar não alcançamos a compreensão da essência da verdade como explicitação derivada e pertencente ao modo como se põe em liberdade o horizonte mediante o qual se descerra a totalidade significativa. A originalidade do pensamento heideggeriano aponta para o fato de que tampouco os gregos enfatizaram a dimensão desveladora da ἀλήϑεια. Assim, a concepção de verdade como lugar originário a partir do qual o ser emerge, decisiva nas obras de 1930, insere-se no contexto de uma reformulação da investigação heideggeriana, uma vez que a pergunta diretriz de SuZ pelo sentido do ser cede lugar, nos BzP, à pergunta pela verdade do ser.

 

O que significa a constatação de Heidegger? Uma reflexão exegética e conceitual sobre o "desvelamento"

Fernando Fragozo Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

A exposição tem como objetivo analisar conceitos centrais do pensamento heideggeriano à luz da constatação realizada por Heidegger quanto à tradução de alétheia por desvelamento.

Partindo da reflexão a respeito do desafio que toda tradução representa, trata-se de avaliar, à luz da constatação da inadequabilidade da tradução, em que medida seria preciso repensar os conceitos de ontoteologia, de esquecimento do ser, de origem e repetição, assim como as questões referentes ao “fim da filosofia”, ao “outro início” e à caracterização do homem como “pastor do ser”, que encontra sua “morada” na clareira do desvelamento. Por fim, tratar-se-á de analisar, à luz da referida constatação, a reflexão de Heidegger em si, no que pode iluminar a compreensão do atual momento da história do Ocidente em seu conturbado processo de planetarização.

A linguagem do fenômeno: Heidegger e o problema da verdade

Marco Antônio Casanova

Resumo

O texto procura mostrar em que medida o pensamento heideggeriano se constrói a partir de uma compreensão da linguagem que institui o campo de manifestação dos fenômenos como lugar de gênese propriamente dita da linguagem. Assim, ao invés de supor a linguagem como uma resultante final de um processo que se inicia nos objetos externos e culmina na representação e no conceito, Heidegger mostra o quanto a linguagem surge do algo enquanto algo. A partir dessa compreensão da linguagem, a conferência procura acompanhar os impactos do problema da linguagem sobre a questão da verdade em Ser e tempo.

Lugar e verdade: hermenêuticas pluritópicas e pensamento situado

Resumo

Esse trabalho é parte de um projeto de pesquisa mais amplo que pretende questionar a importância do conceito de lugar(es) para a hermenêutica. A investigação nasce de um diálogo tangencial com a filosofia tardia de Heidegger, na qual a noção de lugar ganha proeminência progressiva a partir de 1940. No Seminário de 1969, em Le Thor, na França, Heidegger afirma que há, em sua filosofia, “Três termos que se sucedem e ao mesmo tempo indicam três passos que marcam o caminho do pensar: SENTIDO – VERDADE – LUGAR (topos)”. A partir dessa afirmação discutiremos a relação entre os termos fundamentais elencados por Heidegger para pensar a importância do lugar para o pensamento hermenêutico e para o acontecimento da verdade. Em seguida, discutiremos a proposta de uma hermenêutica pluritópica trabalhada pelo autor argentino Walter Mignolo. A noção de uma hermenêutica pluritópica nasce da constatação de que a tradição da hermenêutica filosófica necessita ser repensada e reformulada para ser capaz de responder às dificuldades que se apresentam em situações pluriculturais. Em especial, o que Mignolo denomina semiosis colonial nos desafia a questionar o lócus de enunciação e de compreensão das situações coloniais, na medida em que estas são marcadas por uma assimetria de relações de poder, que muitas vezes incluem diversas formas de violência e silenciamentos. O mundo fragmentado e as tensões características da situação colonial evidenciam a pluralidade e a “rede de lugares” a partir dos quais se torna possível questionar e compreender o passado, mas também o presente da América Latina. Dessa forma, para apresentar a proposta de uma hermenêutica pluritópica discutiremos a experiência compreensiva do lócus de enunciação latinoamericano e do habitar “entre” mundos, línguas e contradições.

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